"Votem com os dois pés na arena"

Crónica sobre identidade, tradição e a política que também se faz com toiros



Portugal está apaixonado. Não por si mesmo - que ousadia! - mas por tudo o que vem de fora. E como qualquer apaixonado não pensa bem.

Portugal vive hoje uma crise de identidade com verniz cosmopolita. À primeira vista, parecemos mais modernos, mais abertos ao mundo, mais “europeus”. Mas por baixo dessa camada de arrojo importado, está a ruir algo essencial: a coragem de sermos quem somos.

Basta ver como tratamos as nossas tradições. Dizer que se vai a uma corrida de toiros em Vila Franca é quase pedir desculpa por existir. Mas anunciar nas redes que se foi à Feria de Abril, em Sevilha? Isso já é “cultura ibérica refinada”! Bravo.

Ir às Feiras Novas ou à Vaca das Cordas em Ponte de Lima por exemplo, e usar cordões de ouro e corações de Viana? Ui, que provinciano.

Mas que raio, onde fica o orgulho? Certo, a globalização está aí e é óptima para muita coisa, mas... calma!

E isto não é só conversa de saudosista, que eu até sou muito moderna. Está a acontecer mesmo. As redes sociais estão cheias de pratos com nomes estrangeiros mal pronunciados, ideias importadas a eito, gente que canta em línguas que não entende - e que torce o nariz a tudo o que tenha cheiro a Portugal antigo. O que é nosso, “cheira a velho” (palavra que abomino com todas as minhas forças, pela conotação negativa que tem, como se o velho não fosse interessante ou não tivesse nada para nos ensinar!)?

E não é que não se possa gostar de Espanha, do Brasil, dos E.U.A.. Claro que sim. Mas há uma diferença entre gostar e “adoptar” toda uma identidade. Nem funciona.

Será falta de vergonha, de educação? Ou será apenas falta de noção?

É puro complexo de inferiodade crónico, que em Portugal se disfarça de “gosto pelo que é diferente”. Só que diferente não significa melhor. E muito menos significa que se deva apagar o que é nosso. 

O que se está a passar é simples: falta orgulho. Falta coragem para defender o que é nosso. Falta assumir que tradição não é atraso - é raiz. E sem raízes, não há árvore que resista à ventania das modas, aquilo que faz de nós… nós. 

E sim, se continuarmos assim, qualquer dia teremos fado remixado por DJs alemães e touradas com tema oriental. 

Tudo muito “inovador”. Nada verdadeiramente português.

A verdade é que numa grande maioria, o português já não sabe bem de onde vem.
Mas sabe perfeitamente onde quer estar: em qualquer lado que não seja Portugal.

É neste cenário de deslumbre que a tauromaquia portuguesa tenta resistir - cá dentro, e com uns a ajudarem a isto, outros nem tanto. 

Sim, a tauromaquia portuguesa está em risco. Não porque tenha mudado - ela mantém a arte, o risco, o silêncio tenso, o cavalo lusitano, o forcado de peito aberto. Mas porque o olhar de quem vê mudou. E muitos já não olham: desviam os olhos, como se a tradição fosse uma coisa que se esconde em vez de se celebrar. Está ameaçada por uma visão urbana e higienista da cultura, onde só sobrevive o que dá bons likes e parece moderno ao olhar estrangeiro.

A corrida à portuguesa não precisa de molho de soja. Precisa de respeito, dos de fora e dos de dentro!

“Ah, mas as touradas são polémicas!” Pois são. E ainda bem. Cultura que não mexe com nada também não serve para nada. A nossa tourada é única, há mais humanidade nisto do que em mil discursos com moral importada.

E meus caros, a tauromaquia, o fado, os ranchos ou os bombos não se defendem só com aplausos na praça. É preciso defender com algo ainda mais incómodo: o voto.

Sim, esse papelinho que muitos acham que é só para quem não tem mais que fazer ou para os chatos com opinião. 

E quem gosta de touros, de folclore, de fado, de campo, de liberdade cultural - tem que perceber que não votar é o mesmo que abandonar a arena, é dar palco ao silêncio. E o silêncio nunca defendeu tradição nenhuma.

A política, por muito aborrecida que pareça, ou por muito histérica e sem princípios que possa estar, influi em tudo: na cultura, na tradição, no direito a existir enquanto país com voz própria. Há partidos que, se pudessem, punham um filtro de Instagram em Portugal inteiro: veganismo obrigatório, fado só se for “remixado” com reggaeton, e toiros apenas se forem feitos de peluche ecológico. Porque o alvo nunca é só o toiro - é tudo o que nos lembra que não somos uma cópia de fora.

Está na moda falar em salvar o planeta, o sistema de saúde ou as baleias. E salvar a identidade portuguesa? Já vimos festas tradicionais canceladas, apoios cortados, artistas ostracizados. Tudo em nome de um progresso que muitas vezes não passa de vergonha de ser quem se é.

Então sim, este 18 de maio, não decidimos só o próximo governo. Decidimos se o Portugal das feiras, dos toiros, do cante, do coração de Viana, do arroz malandrinho e do “dá-me licença, faça favor” continua a ter espaço neste país - ou se o futuro é um brunch com tofu e filtro vintage.

Porque todas as eleições são mais do que escolhas partidárias. São uma escolha cultural.
É um “sim” ou “não” à continuidade de um Portugal que não tem vergonha de si mesmo.

Portugal não se constrói a pedir desculpa por ser português.

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Dra. ESTER TERENO



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