"Ok, querem acabar com as touradas, modificando substancialmente o ecossistema que tem o touro bravo como o seu núcleo. Não é difícil especular o que aconteceria a seguir: aqui sim, uma catástrofe ecológica!"

SOCIEDADE PALIATIVA

"A perseguição sofrida pela cultura do touro no início do século XXI é um dos casos mais escandalosos da tentativa de extermínio cultural a que já assistimos!"

Um artigo da Dra. Ester Tereno.


El toreo es un arte porque genera estímulos estéticos acompañados de fuertes latidos del corazón, es uma manifestación de destreza, perfección, habilidad, valentía, hermosura, excelencia y finalmente de arte.”, 

Jacobo Zabludovsky (jornalista mexicano)


Para nossa desgraça, o homem de hoje vê-se despojado de coragem, e então qualquer acontecimento é visto de forma apocalíptica. E não porque o mundo das touradas esteja em desacordo com a ciência. Em absoluto. com o que está em desacordo é com a cobardia, com querer sobreviver a todo custo, com o medo impresso em cada respiração. A vulgaridade de um mundo em que "o diferente" não tem lugar, onde o sofrimento permanece oculto para sempre.

O filósofo Byung-Chul Han escreveu "Sociedade Paliativa" (Vozes, 2021). Diz que a nossa sociedade sofre de algofobia (medo da dor). Diz que tudo que é verdadeiro é doloroso e que o mundo atual sacrifica a vida real pela vida confortável. A saúde torna-se a meta suprema e tudo o resto deve ser adormecido. 

Pois bem, assim sendo, para o homem “actual”, aterrorizado com a ideia de ter que enfrentar os golpes do destino, a tourada parece-lhe uma acção arriscada que abala a sua feliz letargia. Ah, sabem lá eles o valor que está guardado na tauromaquia, pobres almas ignorantes...

Alguns defendem que o único propósito desta é fazer o animal sofrer, outros vão dizer que em nenhuma circunstância a luta iguala o animal indefeso com o toureiro (com cornos e é indefeso!). 

A perseguição sofrida pela cultura do touro no início do século XXI é um dos casos mais escandalosos da tentativa de extermínio cultural a que já assistimos!

Ok, querem acabar com as touradas, modificando substancialmente o ecossistema que tem o touro bravo como o seu núcleo. Não é difícil especular o que aconteceria a seguir: aqui sim, uma catástrofe ecológica!

Falo, é claro, de algo que ainda não tem um nome bem definido, embora todos o percebamos ao nosso redor: wokismo, progressismo, politicamente correto, cultura do cancelamento, política identitária, desconstrutivismo, blá blá blá. Diz que é um modelo alternativo de civilização porque quer (e daí vem um dos seus nomes) desconstruir o nosso património civilizacional. Para quê? Substituindo-o por outro mais “inclusivo”, nada opressor, mais “diverso”, menos “heteropatriarcal-colonialista-racista-homofóbico-especista-antiecológico”.

E isso acontece porque o Ocidente é na verdade um grande paradoxo: vivemos numa civilização que estimula as correcções dessa mesma civilização. 

Ainda há pouco tempo ouvi alguém dizer que o natural será as touradas desaparecem, que é um sinal de desenvolvimento de uma sociedade (meus pobres ouvidos, volta e meia são conspurcados com tamanhas infâmias). Pois bem, como se medem os indicadores de desenvolvimento de um país? Pelo PIB, pelas horas que as crianças passam em frente ao computador, pela forma como a agricultura é tratada, pela quantidade de shoppings? É que não entendo.

Normalmente são indivíduos muito preocupados com as "alterações climáticas" ("clima" é sinónimo de "mudança", não é estático, certo?). Se se tratar de um mero compatriota com a sua vida “normal”, convenhamos, salvar o planeta inteiro é algo que está fora do seu alcance. Mas isto não o impede de se sentir um herói climático: apaga as luzes por alguns minutos no Dia da Terra e está feito. Ou, se se tratar de uma instituição ou marca, tudo será ainda mais simples: é repetir muitos slogans com as palavras “verde”, “ecológico”, “sustentável”, e “resiliente”. 

Todas estas pessoas acreditam que a sua santidade (seja moral, religiosa ou política) pode ser comprada, a sua salvação ecológica. E normalmente são devotos de Santa Greta Thunberg, touros é que não pode ser.

Portanto, todos eles são culpados de uma heresia, a heresia consiste em pensar que assuntos sagrados, como a salvação, podem ser traficados. Trata-se de simonia. 

"... o Ocidente é na verdade um grande paradoxo: vivemos numa civilização que estimula as correcções dessa mesma civilização".

Mas o problema desta gente, não são as suas “crenças”, mas sim, que nós, aos seus santos olhos, sejamos pecadores. Quando esbarram connosco, taurinos, são invadidos por um cocktail de emoções: satisfação inebriante de serem tão melhores e evoluídos que nós; por outro lado, o desprezo visceral pela nossa pequenez. E são daqueles que acham se infectam com o nosso mal se estiverem sequer perto. 

E é esta a moral destas pessoas, um mero mecanismo para aumentar o seu valor e a sua “basófia” diante dos outros. Todos queremos que nos amem por sermos bonitos, por sermos inteligentes, por sermos engraçados, mas acima de tudo por sermos boas pessoas. E no caso destas criaturas, acreditam mesmo que são imensamente bondosas na salvação da sociedade face à tauromaquia, esse bicho papão. 

Por tudo isto, não entendo, porque umas corridas enchem, outras estão quase vazias, porque continuam a existir festejos nos mesmo dias na mesma área geográfica, taurinos a dizerem mal deste ou daquele cavaleiro que é circense, que é mais não sei o quê, encrencas de todo o género. Isto consome energia, que poderia e deveria ser utilizada para outros fins mais nobres. São só questões, nunca críticas. E muito menos críticas construtivas, quando alguém quiser construir alguma coisa, que peça ajuda. 

Mas hoje, temos quase mais críticos do que artistas. Aqui fica um conselho grátis para os que insistem em ser inquisidores da produção alheia: "Abra o seu próprio canal de vídeos, organize uma corrida, escreva textos, e mostre como coisas mais relevantes podem ser ditas ou feitas. Não critique o que já está feito, tente ajudar! Escreva textos! Crie! Ganha a tauromaquia e ganha você. Viva a liberdade de ler e, mais ainda, a liberdade de fazer melhor. Aceite o desafio!


Já dizia Carl Jung: "Pensar é difícil, por isso as pessoas julgam”.


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(fotos : Araújo Maceira)