A feira de Julho em Estremoz e o Semblano
O passado que vem ao presente

O Julho já ia a meio, era o tempo da grande feira em Estremoz, os dias apresentavam-se quentes e longos e a cidade fervilhava de muitas gentes que a vinham visitar, as ceifas estavam a terminar e todos procuravam fazer as suas compras com mais desafogo , e também divertirem-se nos carrosséis, carrinhos de choque ou ver os contorcionistas e os palhaços nos circos. Mandava também a tradição que a praça de touros abrisse as suas portas para mostrar à cidade os toureiros mais famosos a pé ou a cavalo assim como os forcados, apresentando desta maneira as touradas e as garraiadas ao povo.

Ora nessa época vivia em Estremoz o Semblano que era guarda-rios zelando pelo bem estar das águas dos rios e das ribeiras do concelho, figura alta e grave tinha um andar cadenciado, recordo-me de o ver a andar pela cidade passeando com as mãos atrás das costas e quase sempre vestindo uma gabardina creme que o acompanhava para lá dos joelhos, o seu escritório se situava na rua da Levada num rés-do-chão em frente à Horta Primeira. Era um grande aficionado de touradas e pelas tardes e serões de Verão se entretinha pelo café Alentejano falando com os amigos e conhecidos sobre a festa brava e lá ia confidenciando que um dia gostaria de fazer um passe de muleta ou mesmo uma pega , isso é que era uma grande proeza, e até um sorriso luminoso lhe vinha à face já antevendo o seu sucesso , até quando assistia aos espectáculos o deixavam ficar entre tábuas para respirar aquele ambiente taurino batendo amigavelmente nas costas dos toureiro e dos forcados e sentir o bafo do touro.

Tinha como amigo dos pensamentos sobre a festa brava o Beringela que também se entretinha pelo café e o incentivava a estes delírios taurinos, era uma figura típica da cidade ao tempo e muito ligado à tauromaquia, então começou com outros companheiross a insinuar ao Semblano que por esta feira é que seria bonito e de grande recorte temerário ele brilhar fazendo uma faena pois a praça estaria cheia e todos de pé o iriam aplaudir não em traje de luces mas mesmo assim demonstrando que era corajoso enfrentando a fera. 

Então no dia do evento o Semblano lá se foi posicionar entre tábuas como era habitual e o Beringela lhe disse para estar atento pois iriam apanhar todos de surpresa, e, que quando ele ouvisse tocar o cornetim para o inicio das lides que ele Semblano saltasse logo para o meio da arena e se posicionasse em frente aos curros para esperar a saída do touro e logo ali lhe faria uma Verónica demonstrando a todos a sua coragem saindo de certeza em ombros e com alguma flor mandada por menina mais impetuosa. 

Os olhos lhe brilharam logo ali antevendo a cena do seu sucesso levado mesmo em ombros pelos pares. E assim foi quando o som do cornetim se fez ouvir logo saltou com ligeireza as tábuas, e perante a estupefacção de todos se foi postar mesmo em frente á saída dos curros como o acordado, ouviam-se entretanto gritos de olé , assobios e aplausos, pois a praça estava cheia de muitas gentes, claro está que o touro saiu com grande força e impetuosidade e vendo aquela figura logo ali o levou à frente dando-lhe uma valente cornada enviando-o pelos ares indo cair todo estatelado no meio da praça, logo ocorreram toureiros com as capas e os forcados para distraírem o touro e lá o conseguiram meter outra vez nos curros e o Semblano todo partido lá foi parar ao hospital, não sabendo dizer naquele momento de que terra era, esteve muito mal e hospitalizado algum tempo, ainda me recordo de o ver andar com um braço ao peito e com adesivos na cabeça, nunca mais se meteu noutra aventura , as touradas para ele acabaram; os Achigãs, as Bogas, os Barbos e os seus queridos rios e ribeiras é que eram a sua onda.

Carmen Movilha (Carmita)
E é Julho do ano de 2022

Foto : antiga da Praça de Touros de Estremoz, do Município