La gravísima cogida de Emilio de Justo

E o mundo saiu às ruas, para rezar, para viver e para morrer, é para isso que se vai à rua, para esquecer que existe um coronavírus e quem se quiser lembrar, que ponha um alarme no telemóvel.

Mas para ver Emílio de Justo tourear não é preciso nenhum alarme! Na tarde que se anunciava em Las Ventas, o público quase esgotou a lotação, e infelizmente toureou apenas o primeiro.

Os outros cinco. Matou 5 touros em Madrid. Ele salvou a tarde. E este “ele”, vai para o hotel de mãos dadas com a filha. O seu nome é Álvaro de la Calle. E ele é um toureiro da cabeça aos pés.

Álvaro de la Calle

A mais absoluta dignidade, colocando-se onde tinha que se colocar. Ele dignificou a profissão. Quanta coragem!

Mas nem todos entendem estes valores. Uma “espécie” que detesto, os fracos e cobardes, sempre em modo contorcionista como uma barata agarrada a qualquer mofo que alivie a sua responsabilidade. Homens mansos, que retiram de vista qualquer vestígio de dignidade heroica, apenas para não enfrentar sua profunda angústia vital. 

São estes homens de hoje, que marcam como radical qualquer coisa que exija algum compromisso deles além de levantar o dito do sofá. Bem acomodados, orgulham-se de gritar aos quatro ventos qualquer mantra ideológico (feminismos, ambientalismos, animalismos) desprezando a liberdade de consciência pela qual pagamos tanto sangue. Pobre desgraçado! 

"...Tiram a dor e a morte da frente, não porque com ela acreditem que o horror e a injustiça passem pelo arco da civilização, mas porque não têm coragem de enfrentar nada além de “boas vibrações”. Apegam-se ao alívio da dor em todas as áreas da existência (“hipermedicada”)...."

Por falar em feminismos, por exemplo, as mulheres dos toureiros, porque não há aqui nenhuma feminista? Porque os toureiros encarnam esses valores que se perderam, são dignos, têm templanza, enfrentam o medo, a dignidade e a incerteza numa praça de touros. Por isso desprezo esses homenzinhos que só almejam abraçar a servidão voluntária para ficar longe de problemas (essa é sua maior devoção, certo?) mesmo que seja ao preço de abdicar de um pedaço de sua dignidade. Triunfo da pequenez.

Tiram a dor e a morte da frente, não porque com ela acreditem que o horror e a injustiça passem pelo arco da civilização, mas porque não têm coragem de enfrentar nada além de “boas vibrações”. Apegam-se ao alívio da dor em todas as áreas da existência (“hipermedicada”).

O que seria de nós sem o sofrimento causado pelas lutas sangrentas que engrandeceram Roma e que, introduziram o direito na nossa sociedade, mudando assim os costumes bárbaros dos nossos ancestrais? Imagino já um qualquer franzindo a testa e soltando aquele risinho cínico de auto-suficiência acreditando que é superior à sua linhagem. Quanta vergonha não teriam os nossos antepassados destes coitadinhos! A história faz justiça ao cobarde, sabiam? Primeiro esmagando-o e depois devorando-o com sua máquina atemporal.

Quão corajoso pensa que é “twittando”, e que cobarde entre os mortais. 

Sócrates elevou a máxima que leva seu nome “só sei que nada sei” por admiração à verdade; o homem de hoje faz isso por medo de encarar a sua causa.

"...O taurino de hoje está obrigado a ser taurino, não ser apenas aficionado nas tardes da Maestranza, ser taurino todos os dias a todas as horas! E com isto não quero dizer que se passem os dias a falar sobre touros, isto quer dizer que carreguemos todos os dias os valores que nos dá a tauromaquia... "

Mas tenho esperança no ser humano! Numa época em que cada vez é mais difícil que as pessoas trabalhem para um bem maior, ainda há uns corajosos que defendem o que é nosso, trabalham para a mesma coisa de forma isenta e gratuita. 

Tenho a sorte de ter como amigos, pessoas extraordinárias! Dois deles fizeram acontecer o Museu Ramagens Ouro e Prata, cada detalhe, a dedicação, o cuidado, nada disto tem preço! 


Fazem-me voltar a acreditar profundamente na magia e beleza das pessoas, neste mundo taurino, etéreo, volátil, carregado de esperança e amor! 


O homem de hoje tem que ter a capacidade de despertar e fazer o que lhe compete, não só sobreviver, mas de “superviver”, não ser só um corpo que adoece, mas um espírito que se eleva.

O taurino de hoje está obrigado a ser taurino, não ser apenas aficionado nas tardes da Maestranza, ser taurino todos os dias a todas as horas! E com isto não quero dizer que se passem os dias a falar sobre touros, isto quer dizer que carreguemos todos os dias os valores que nos dá a tauromaquia. 

Aposto que já todos viram imagens do grande Joaquín toureando de capote, quando o seu Betis ganhou a Copa del Rey! É disto que falo, não ter vergonha. Por exemplo, se estou numa reunião e não falo de touros só porque não vá ser que alguém se melindre, pois estou a fazer um fraco favor à tauromaquia. 

Convertermo-nos em toureiros quando comemos, quando fazemos amizades, converter em toreria tudo o que tem a ver com a nossa existência. E que quer dizer isto? Enfrentar o medo com heroicidade que a inteligência se sobreponha ao racional, escapar às investidas da vida e não cair no vitimismo. 

"...pedir desculpas ou evitar assumir a nossa taurinidade, é um erro crasso!..."

E nunca. Nunca pedir desculpas por se ser taurino, porque:

1-Quando alguém realiza um acto, este é certo ou errado. Na 1ª opção, se estiver tudo bem e alguém se ofende, não é necessário pedir desculpas (o problema é deles).

2-Se o acto for errado, não se deve pedir desculpas a quem se ofendeu com o mesmo, mas a todos. Bem, aqui o problema não é que alguém se tenha ofendido, mas o acto em si. 

Nietzsche tem uma citação muito oportuna a esse respeito: “Quando alguém nos pede desculpas, tem que fazê-lo muito bem; se não, facilmente passamos por culpados e ficamos com uma sensação desagradável”.

3-Um bom pedido de desculpas tem três partes: a) Errei; b) Não tornarei a fazer; c) O que posso fazer para remediar?

Se não, está incompleto.

Se nos desculparmos de qualquer outra forma, talvez não nos queiramos desculpar. Talvez seja só mesmo para livrar das consequências negativas das nossas acções.

E lembremo-nos que quando pedimos perdão, como quando pedimos qualquer outra coisa, existe a possibilidade de que não nos seja dado. É por isso que perguntamos.

Portanto, pedir desculpas ou evitar assumir a nossa taurinidade, é um erro crasso!

Fim. E desculpem o comprimento do texto. Bem... na verdade, não peço desculpas de nada, pois é muito provável que aconteça novamente!

Texto : Dra. Ester Tereno Fotos : Plaza 1 - Plaza de Toros de Madrid