Por Jaime Martínez Amante.

No passado dia 4 de Outubro, 34 anos cumpriram-se sobre a tarde da sua alternativa. Foi, na primeira das três corridas da Feira de Outubro de 1987 em Vila Franca de Xira.
João Palha Ribeiro Telles foi o seu padrinho e a cerimónia foi testemunhada por Rui Salvador e pelos grupos de forcados de Vila Franca e do Aposento do Barrete Verde de Alcochete. Os toiros pertenciam à ganadaria de José Infante da Câmara.
Paulo Brazuna, ao tempo era um valor a despontar, teve uma tarde brilhante e ainda hoje recordada.
Por circunstâncias várias, a carreira de Paulo Brazuna, continuou em Espanha, onde toureou ao lado de todas as figura da época. Foi dos primeiros cavaleiros portugueses actuar nos Estados Unidos.
Ainda reside em Espanha e é pai do promissor novilheiro Alfonso Ferreira "Fonsi".


Cumpriste no passado dia 4 de Outubro 34 anos de alternativa. Valeu a pena ?
Claro que sim, foi a concretização de um sonho e o início de uma nova etapa com mais responsabilidade e que me levou a ser o cidadão que hoje sou em todos os aspetos.
Foi um dia bonito, num marco incomparável como é a Praça “Palha Blanco” em Vila Franca de Xira e junto a duas enormes figuras do toureio a cavalo, dois grupos de forcados de postín, uma ganaderia de primeiro nível, e por fim, apoiado a 100% pelos meus seguidores que eram muitos. Que mais se pode pedir ? Ainda por cima a crítica considerou-me o triunfador da tarde.
Valeu a pena e foi um enorme êxito !

Foi um percurso tranquilo ou houve "dificuldades ?
As dificuldades foram imensas, venho de uma família com poucos recursos, o meu pai era um simples industrial do ramo do mobiliário.
A aquisição de cavalos bons era tudo uma manobra titânica, era eu que os punha a tourear e os arranjava mas mesmo assim eram muito custosos e os dinheiros não sobravam em casa dos meus pais, trabalhávamos todos. Éramos quatro em casa, os meus pais e uma irmã mais nova.
A manutenção dos cavalos, os treinos com vacas, deslocações, tudo isso era um mundo de dificuldades onde só existiam gastos e poucos rendimentos !

Nos princípios dos anos 90 apostas-te no ambiente espanhol. Foi compensador ?
Muitíssimo !!
Desde muito jovem que me despertava muita atenção o ambiente taurino espanhol, sempre o vi algo mais sério que a nossa Festa e onde se reconhece mais os triunfos e se premeia os toureiros com contratos pelos méritos conseguidos .
Após a minha alternativa e ao dar-me conta que não tinha qualquer possibilidade de encaixar-me no sistema taurino em Portugal, sem contratos e com um futuro negro por diante, idêntico ao que aconteceu a muitos companheiros, extraordinários cavaleiros, foi nesse momento que entendi “dar o salto” deixar tudo para trás em Portugal e apostar numa carreira em Espanha.
Bendita hora que isso aconteceu. Em Espanha abriram-me as portas, deram-me oportunidades e premiaram-me com novos contratos e cachets muito acima da média. Durante anos senti-me um privilegiado, toureei com todas as figuras da época, fui e sou respeitado pelos aficionados e pelos profissionais deste mundo.
E por último o meu maior triunfo, conheci uma mulher maravilhosa que é a mãe dos meus dois filhos com a qual tenho 30 anos de relação e juntos com muito esforço, construímos uma bonita família e um pequeno património.
Considero-me um homem muito afortunado e tudo isso graças à decisão de apostar por construir uma carreira em Espanha.

Como comparar os anos 90 com a actual situação do "mundillo” em Portugal ?
A situação atual é totalmente diferente da vivida nos anos 90. Nessa época ainda havia empresários de verdade, eram profissionais, imaginativos, sabiam montar espetáculos, uma grande percentagem das corridas eram mistas, havia corridas de toiros para todos os gostos, tínhamos empresários aficionados, como o Sr Alfredo Ovelha, Manuel Gonçalves, Américo Pena, Mário Freire, José Agostinho dos Santos, Zé Brás e mais alguns, que de momento não me recordo os seus nomes.
Hoje em dia tudo funciona à base de trocas, não existem empresários profissionais, a maioria das praças são geridas por gente ligada principalmente a grupos de forcados de recente criação, as corridas estão dominadas pelo toureio a cavalo em detrimento do toureio a pé, e isso foi extremamente prejudicial à festa, porque esse público (o do toureio a pé) deixou de ir às praças e isso reflete-se nas bilheteiras de forma totalmente negativa. A corrida mista foi sempre o espetáculo preferido do público e dos aficionados portugueses.
Nos 80 e 90 havia mais variedade nos cartazes no que diz respeito às corridas " à Portuguesa", não se repetia tanto os mesmos apelidos, hoje em dia são quatro apelidos ou dinastias que estão em todos os cartazes desde o centro até ao sul, num país tão pequeno, levamos quarenta anos a ver os mesmo toureiros, é uma presença contínua, não se dá oportunidades a uma nova geração de toureiros, que podiam refrescar os espetáculos e isso vai lentamente destruindo a nossa Festa.
Penso que, hoje em dia, há cartazes que em vez de atrair público, afastam.
No entanto reconheço que estamos a viver uma situação social muito complicada com a política e as modas do anti-taurinismo a serem aproveitadas e que muito mal estão a fazer à Festa.

Fostes dos poucos que privou com o "enorme e unico" José Mestre Batista. O que recordas desses tempos ?
Foi uma época magnífica. O Tita era um ser especial, um gênio, um ser brilhante, fazia-me sentir importante e acreditar em mim.
Era um profissional com esse toque diferente de tudo e todos, era na realidade um gênio.. Era, um homem com uma cultura fora do comum, sem estudos, mas estudioso, lia muito, tinha uma biblioteca magnífica e interessava-se por tudo, logo era um tipo contagiante, divertido e sumamente era uma agradável companhia, um conhecedor do cavalo como ninguém, um cavaleiro extraordinário muito hábil, no fundo era completo.
Por isso sou tão feliz, bebi dessa fonte e fui o único aluno que de verdade esteve a seu lado e que fez vida profissional como cavaleiro de alternativa.
Posso dizer que fui aluno do MAIOR de todos os tempos.

Continuas ligado ao mundo do cavalo e do toiro. Como vêz o futuro da Festa ?

Sempre estive ligado ao mundo do toiro e do cavalo.
Quando deixei de tourear em público fiz-me picador de touros e consegui compaginar com a preparação e o ensinamento de novos rejoneadores e jovens cavaleiros na doma clássica assim como o comércio de cavalos.
Hoje em dia continuo ligado ao cavalo mas já de uma maneira diferente, há seis anos atrás tive um grave e forte acidente, que me deixou impossibilitado para a prática profissional, agora desfruto da família e dos poldros criados em casa, é uma maneira diferente mas muito agradável estar rodeado da família e ter tempo para eles .
Dá-me pena ver o futuro da nossa festa a curto ou médio prazo. Entre a política anti-taurina e a maneira que estão a ser geridas as praças em Portugal, sem dar oportunidades aos jovens e repetindo até á saciedade os mesmos carteis, realmente vejo um futuro muito negro.

Têm em casa um toureiro. Alfonso Ferreira "Fonsi". Preferes que seja matador de toiros ou um extraordinário matemático ?
Que seja aquilo que ele preferir e possa, eu sempre lhe digo, para triunfar e chegar longe á que esforçar-se e ser o melhor, só assim se pode chegar onde um deseja.
É um estudante magnífico, pode chegar onde quiser. Desde que esteja focado no seu dia a dia e trabalhe muito, como toureiro tem muito jeito e “pellizco”, gostaria que pelo menos fosse um bom toureiro, isso não quer dizer que tenha que ser Matador de touros .
Mas principalmente que esteja na vida de bem e que seja feliz.


Fotos de A.Figueiredo /Emilio - Arquivo Farpas e Paulo Brazuna